terça-feira, 31 de março de 2009
Os Bestas
Eu e Rômulo, foto do Ellyo
Bem, mon ami, não vou ficar nesta cama a noite inteira discutindo com você a hora da Besta. Nem vou pleitear migalhas ao pé da cama. Não é bom isso de perder as horas massacrando o coração da Besta. A Besta que você nem sabe o que é, se é você mesmo, se sou eu, e quando vamos parar.
Bem, não estou mais aí pra amargar as horas perdidas, com você encostado à porta, amedrontado pela razão. Não quer se purificar, não quer gozar, não quer mesmo desfrutar os prazeres da vida exceto por aqueles mais mesquinhos... A novela acabou, meu bem, tive as melhores intenções, mas, o que sou eu? Ah, pouco importa agora, a não ser pelo amor que ainda sinto por você, mas perfeitamente administrável. A Besta que se dane.
segunda-feira, 30 de março de 2009
Nunca houve uma Atriz como Dina Sfat
Dina e Paulo José 'Macunaíma' Joaquim Pedro de Andrade
Sinais de fama
No peito arfante
E a voz que clama
No horizonte
Dum céu cinzento e gelado
E sua dulcíssima alma
E tanta vida
E toda sua via santíssima
Ó virgem deflorada
Na noite do romance
– Não há outra como ela
Talvez
Houvesse um outro
Zé Celso
Jean Genet
Um michê ta custando 250
Aqui nas Astúrias
“Eu te amo
Eu te quero”
Ó deus
Quantas vezes ela disse isso
– Eu te amo
Eu te quero
Nunca mais
Ela parte
Eu espero
Decálogo
"O Evangelho segundo São Mateus", Pasolini
1 Água e vinho
2 Valei-me Jesus Cristo
3 Anjos do arrabalde
4 A lua deixava seus cabelos prateados, eles brilhavam molhados à beira do rio
5 Fama e glória
6 Eu estou apaixonado por você
7 Santos e Silvas
8 Juventude transviada
9 Levava uma vida dos diabos, comia mal, não ia ao cinema, e de noite chorava as penas no canavial
10 Os crimes da rua Cuba
Navio Negreiro
Com Cris Braun e Van Silva, Maceió, Teatro de Arena, 2006, foto: Pablo De Luca
Do livro (inédito) "Versos Cósmicos e Religiosos"
Estou no ponto, como se diz, em ponto de bala, pronto pro ataque, bem, eu só estou passando o tempo, enquanto me acalmo, firme, forte, esperando vocês.
A coisa melhor do mundo é ter alguém
A melhor coisa do mundo é não ter ninguém
Amando a si mesmo, sozinho (Eu sou assim)
É, acho que sou assim
Que importa, não me-arrependo
Patti Smith que ama Rimbaud
Arthur Rimbaud
Patti, com Mapplethorpe
Aqui estou eu, sangrando. Podia estar viúva, ou podia estar morta, ou de qualquer outro jeito escondida por trás das grades da cama. O jovem Rimbaud me espreitando com um sorriso no rosto, outra vez o poço da paixão. Nos olhos, uma lágrima de cristal: eu aqui, no quarto, tentando recompor a visão e o coração esfrangalhados. Ele entra e senta na cama, as bochechas rosadas, a barba ralinha, o ar gentil. Acho-o sexy como o diabo. “Como isso aconteceu?”, ele pergunta. Mostro o meu coração e o sangue nas pupilas: um sonho de Rimbaud. Ele treme de medo, eu o acuso, ele chora aos meus pés, anjo bárbaro, eu o amo tanto. Ele me lambe a mão, eu me acalmo.
quarta-feira, 25 de março de 2009
Solitude 2
Do livro (inédito) "Versos Cósmicos e Religiosos"
Dou um passo para trás: a cadeia da felicidade, pessoas felizes, pessoas infelizes, momentos felizes, momentos infelizes. Não tenho pressa de nada, veja bem, nunca tive, a solidão que trama a minha vida, está certo, houve casamentos e disfarces, fantasias, mas o que é isso agora, solidão, minha ancestral poesia existencialista, rebelde e primitiva, e o que mais podia eu querer além desta prosa que, afinal, me leva a você?
L’Amour no existe
Truffaut, Jean-Pierre Léaud...
Na penumbra: Escrevo com clareza agora, mesmo quando erro, a caligrafia vai bem, mas do que estávamos falando, ó, a inequívoca arte dos amantes, o cinema de Truffaut! Então ouço a gritaria dos mendigos brincando na rua - me imagino na chuva cantando com eles, ah, o amor, não é assim pueril, tampouco perfeito e profundo como se alardeia, não creio, ele existe, eu sei, de repente, num tiroteio (ou num sorteio)...
O Povo contra o Rato
Um homem disputa a sua casa com um rato: A maconha e todo cigarro e cada pedaço de queijo camuflado na geladeira, a manteiga, grãos – cozidos, crus – do arroz esquecido na mesa, entocado no armário, até as meias e calças: Batalha infernal! Como se ali o infame houvesse deixado rastro: Diabo de afiados molares em tão pequeno horrendo inabalável invasor, ele o vampiro, na monta de roedor, venenoso intruso, ele o sanguessuga, na pele do perigoso visitante, execrável indesejável que me põe neste aviltante estado de horror, ah, inesperado pavor!
Deixo acesa a luz à madrugada, a fria inevitável garoa ou terrífico chuvisco de verão, desprezível solidão, o silêncio do vento, rumores, e a mudança do tempo, entes noturnos dementes a ruminar seus podres dentes, criatura doente eu mesmo, a um passo em falso, a farsa do insolente: As folhas ao relento, os pingos da chuva, o telhado sujo e quebrado, um velho fantasma de vigília e desespero rondando o quarto, eu insone acuado, afeito ao susto, à sombra, à pena de escabroso e ditoso escritor. E assim fez-se o cerco, epílogo de sinistro romanceiro ou lamentoso prenúncio medieval, a renúncia, aliança barroca, histórias caducas de terror e suspense sobrenatural. O herói romântico de meia-idade, interplanetário...
E o bicho astral lendário asqueroso e estranho mito zodiacal, ícone primeiro, fabuloso herói astral pioneiro da antiga roda oriental ou o horóscopo chinês. Criatura indecente, má persona, monstrengo decadente, ó arcaico predador a espreitar os barcos da Transilvânia – o poderoso cantor vomitando baldes na ante-sala... Justiça cruel e luta desigual e vexatória, um homem, a rotatória, o ratinho celerado já a servir-se dos meus cabelos, demônio!
segunda-feira, 23 de março de 2009
Os Nove Soldados
"O Sonho do Soldado", Sokurov
Do livro (inédito) "A MELANCIA - Filmes Eróticos e algumas Epifanias"
Há mais de uma semana caminhando pelos bosques e desertos gelados do Norte, a pão e água, nove soldados armênios voltavam da guerra. Vi-os àquela manhã, co’as calças molhadas, prostrarem-se de joelhos sobre a neve que derretia aos primeiros raios de sol, livres do agouro de uma noite fria e inédita. "Obrigado, Senhor", rezou o jovem tenente que quase morrera na véspera glacial. Brancos, gelados, agradeciam aos céus. Como eram belos à alvorada, entre as montanhas, recuperando a vitalidade comum! O sol vibrava em seus rostos, nove soldados se abraçando, sorrindo: ninguém me notara, um deles até chorava: “A Armênia venceu a guerra!” Mas essa noite anormal refrigéria havia-os marcado indelével. No calor de seus corpos, salvaram-se e acordaram, como direi, felizes, e quanto mais se aqueciam mais jovens se pareciam. Oxalá salve os meus homens da guerra e toda vez que houver uma noite assim, terrível e sombria.
Surpresas do Casamento
Com Luiza e Agata, foto de Cláudio Pedroso
Tudo bem, já passei por isso antes, não faz mal, a vida continua: eu não estou bem, amanhã vou estar melhor. Acordo cedo, o sol meio frio lá pelas seis: levo um papo com ele, com o sol, uma amolação, imolação ao deus.
– Amon-Rá, estou mais vivo do que jamais estive, e não estou nem aí pra morte, foi uma loucura – adoro-o, de joelhos.
– O que deu em você, meu doce amigo? – perguntar-me-á belo, gélido, um sol da hora bem intrigado.
– Sei lá, não sei, o que me deu? Dizes tu.
Esqueci que devias estar aqui quando eu acordasse, assim como ontem, como sempre. Tentei lembrar a letra daquela canção, “sei lá não sei, sei lá não sei não”.
– Ó envolvente e úmido sol matinal, por favor, me dizes, o que me deu?
– Não sei, sei lá, o que havia de dar errado, meu anjo? – insistirá meu amado deus brilhante e ardente... Lembrei do meu amor esquecido, ele havia sumido, mas afinal, era você um amor?
– Ai, quantas perguntas, elas não cabem a mim? Não sou eu o consulente? Estou cansado e revoltado: é por tua causa!
Eu me consumia, arrebatado pela magnífica maravilhosa estrela solar, também eu me sentindo maravilhoso, jesus, uma doce lembrança do futuro. A campainha tocou, era você na porta.
– Querido, vim-lhe ver, estava morrendo de saudade.
Deus, o que há de errado comigo?
domingo, 22 de março de 2009
A Morte Prematura
"O Sètimo Selo", Bergman
Caminhando astuta sobre túmulos vazios
Lá vinha a morte prematura em golpes de misericórdia
Os cordiais espíritos vagando às trevas de ar impuro e terreno
Consolavam-se às escrituras lapidais:
Aqui jaz aquele homem
Adiante jaz uma mulher
O anjinho recém-nascido...
– Nossa, quanta gente morta!
Vestida de preto, com seu lendário machado
A criatura ancestral rondava impávida, ansiosa por novas vítimas
“Que solidão morrer nessa hora...”
Os espíritos se divertiam sobrevoando coroas de flores
(Algumas ainda bem fresquinhas) O sol se punha, e então
Sentimentais que eram (“Ai, que saudade do meu benzinho”)
Punham-se a chorar, os espíritos
“Ó, quão surpreendente é a morte
E sobrenatural”
Ela, a morte, nem aí: só deu tempo de o padre benzer o infeliz
Que expirou feito vaca com a lâmina no peito!
Jardim dos Suspiros
“Artrópode necrófago”, parecia ouvir do próprio sinuoso escorpião, ali, mexendo com a calda. Revelando sua natureza sobre a lápide empoeirada.
A lua monge longe lançava grossos e densos raios prateados sobre o meu peito arfado, minha tez gelada. Meu obscuro escorpionídeo, ó, estamos somente nós dois nesta necrópole desértica, e eu amo você, meu bichinho, eu sou você! “Ah, é?”
Segui-o, o olhar esbugalhado, apreensivo: o inseto lacrau fugindo por entre as fendas do túmulo, os feixes de luz, a lua com sua luz fria e cinêmica, os fantasmas de anjos, jesus, meu peito batendo rápido e o meu queixo, meus dentes rangiam. Meu coração carregava as mágoas do sexo.
“Demônio antropófago!” Mas quem disse isso? Meu deus, foi você, estranho aracnídeo!
A Epopéia dos Ratos
A banda Sangue de Cristo, Augusto, Sebage, Jatiúca e Muniz, Maceió, 1986, foto de Vinicius Lopes
Do livro "A MELANCIA - Filmes Eróticos e algumas Epifanias"
Introdução (Síntese)
Rat and the cat – who’s the cat, me? Gato, mouse, you mouse! “Sinto falta do quê, de você, sinto sua falta? (...) Ah, sinto tanta falta de você, de você, de você!” (Revólver) (Antiquados) (Hum) “Bem-aventurada esperança, por favor, não me deixe ao largo, mouse, querido, chega de maus-tratos.” Me sinto tão fraco: estes finos fios invisíveis e cortantes me sangrando, tão apertados em volta do meu corpo, é a minha prisão, será? Não ando armado (Revolver, Beatles, Walter Franco), você e eu a toda velocidade, crescendo, não estou certo, deitar-nos-emos nus de lado? Comum esquadro, mal-formado, deformado, você, também: desinformados. “Me deixa, olha, tô arretado, tem jeito?” Otário (!), quem, eu? (Quem?) Eu?
A Fábula da Pequena Pena
Cena 1
Uma pequenina pluma negra caiu no parapeito da janela
Do meu quarto, agora, ou melhor, que horas, “eu ouço tiros todas as noites” Eu ouço o velho dizer num filme na TV, “eu já vi gente morta”, ele disse
O pequeno, que horas? “Pouco mais de dez, eu acho”
Acho que desfalecerei, vou morrer, mas não agora, eu disse
Que não gostava de campari, campari, vermute, meu deus, eu lembro
Dos cristais: Clarice L. com um pedacinho do livro refletindo
Um mistério: observando aguda a câmera fotográfica pelos reflexos
Do prisma (Pink Floyd): “Ai, ai, ai, como eu gosto disso”
Mas não desse cheiro à janela, mas o que vem a ser isso?
INTERVALO
(pesquisa de registros)
O DRAMA EM SI
(no bom sentido: tecno e romântico)
Cena 2 (Epílogo)
A pena, pluma negra (estragadinha) tem
Um significado, não tem nada a ver com esse aroma enjoado
Das cozinheiras à janela, mas já passou. “Ah, mas aonde há poesia aqui?”
E onde estava o meu gin na outra noite, ham, um dry martini
Sem gelo, é claro, por favor, outro bem fraquinho pro meu amigo fresquinho
“Hey, Joni, don’t want a little more?” My mouse, yeah, yeah, Mickey Mouse
“Esse é o especial que vai ao ar no Natal”, Marisa explicava a Cris
Na MTV, te vejo no Reveillon, eu vou pro Rio (a lenda do Rio)
Sobre Questiúnculas, mas já sem mais Nada pra dizer
Maceió, 2008, foto do celular de Vinícius Lopes
Esquálido seu brilho magnético no olhar – “brilho magnético, James Bond! Miúcha!” Eu olhava e nada de me corresponder, estranho olhar esse no ar – algo comedido, aliás, era-o todo de uma palidez, e o luar. “Venus de Millus, as pupilas do bom pastor, a cabra cega insana de horror” (amargura, viadagem, imorais). Mas havia lágrimas, observei outra vez aqueles olhos – neutros, completamente. Diabólico, overdose e totalmente natural, improvisei umas palavras (vazias) e seus olhos disseram (eles falavam), “valei-me, Nosso Senhor”. Tive um medo. E os olhos repetiam, “valei-me Nosso Senhor”. Acordei, num suspiro.
Elas me enlaçaram
A banda de covers The Ziggy Soundz, A Lôka, SP, 2000
Do livro "A MELANCIA - Filmes Eróticos e algumas Epifanias"
A caça, não deixo rastro, mas afinal me enlaço. Elas me enlaçaram num cadafalso. Ei, por que fui lembrar disso agora? A morte me pedindo a cabeça, ali, estrangulada. Não tenha medo, é só um jogo de cintura, começar pela morte, entende, bem, vamos lá: o sol se punha, estávamos naquele momento dramático de fim-de-tarde, o lusco-fusco, a luz se indo, intensos raios acobreados, derradeiros, iluminando a paisagem funesta. O sol magnetizava o velho patamar e a forca, já consumada. Nessa hora extraordinária retinha-se ali, por força da luz, a vida, parecíamos vivos! Mas não, elas estavam vivas lá embaixo, assistindo a minha agonia... Eu não enxergava, eu estava morto, a cabeça dependurada, ó deus, mas isto é um sonho! (Thank’s my Lord).
O Tarô
Foto de Vidal Cavalcante
Do livro "Versos Cósmicos e Religiosos"
Jogo magnífico, impressionante como as cartas se amalgamaram ao meu pensamento e à resposta que eu já imaginara, antes, embaralhando as lâminas! O monge, a figura masculina em si, o arquétipo: Rei de Paus. O Mundo, o Julgamento, o Enforcado. Sacrifício e milagre, conhecimento: o servo do amor, a questão é. E o Carro, a Sacerdotisa, o Rei de Espadas, a Rainha de Espadas, o ano-que-vem! Estranho, me sinto tão bem, esse jogo foi real...
O Corpo
Com João Paulo e Adriano, Alma de Borracha, no Teatro Sesi, Maceió, 2007, foto do Ellyo Rios
O corpo de Walt Whitman caminhava pela avenida, nu e solitário, vagabundo, noturno, à madrugada, esquecido de sua cadelinha. Nenhuma carta mandara pra ela, nenhum beijo espacial, extra-temporal, nenhuma lembrança paradoxal, afinal Whitman era um homem, um poeta verdadeiramente boçal. Encontrara tantas cachorras, nenhuma como aquela, felizmente. Nenhuma tão demente, ela ficava em casa feito uma mulherzinha, ausente. Ah, ele voltara.
– Mas eu não sou uma mulherzinha, já lhe disse, nem mesmo uma cadela eu sou, veja bem o que tenho entre as pernas, é muito mais do que boceta: bagos, colhões, e uma bela de uma baguete.
– Baguete? Não me faça rir... Isso não me enche, não me preenche, me dê o seu cu, vá.
Gente. Eu vou ser mau, amiga, agora que estou sozinho com ele e mergulhei nessa rede de paixão. Tinha lido Proust, mas deixei você com um copo na mão, esperando a droga: precisava de cisma (pra segurar meu carisma), pois nasci assim tão só e você, por favor, não se iluda, deus lhe acuda e lhe dê um tanto de paz, talvez um casamento, oxalá, com o corpo que lhe apraz.
Antiguidade Clássica
Jeanne Moreau, não, Medéia, ela mesma, a rachada-bofe que nem minha amiga é, embora se passe por tal, freqüenta minha casa, me beija e pisca pro Walt. Ordinária se fazendo de santa, putinha é o que ela é, cacho do demo, odiosa, titica de galinha, e Walt, esse ignóbil, se desmanchando todo.
Conheço bem a glória de Juno, a beleza clássica, a essas alturas se enrijece toda num cárcere de gelo, não pode sair às ruas, não suporta o calor e é visceralmente alérgica à poluição, deus do céu, a estátua de Apolo não faz o menor sentido, nenhum sentido: imagina eu enterrado vivo com as esposas de um xá paulista.
Acontece que tudo isso, hoje em dia, é astrologia.
Epílogo
A amiga subiu as escadas ensandecida e quase se estrepou no ferro do portão, um décimo de segundo depois de o cão lhe dar um primeiro e definitivo bote. Por sorte, nada aconteceu a ela, não fosse por um arranhão no braço que por muito pouco, no pulo, não ficou espetado no ferro. Enfim, acudi-a e lhe dei guarida. Amiguinha, tive um pesadelo contigo esta noite e acabei tudo com o Walt – ele não acreditou, achou que era um capricho a minha revolta de cadela. Você que pôs este véu sobre o meu espírito sabe que não estou mentindo.
Medéia voltou. Ela que matou os filhos por uma besteira de amor, Medéia queria ser moça, Jeanne Moreau, brasileira. Era uma glória da arte exceto pelos pêlos queimados da boceta, rachada-mulher, o bofe – viu esse filme nos anos 1970? O cabelo dele em caracóis, todo enroladinho: ia pro seminário, mas entrou no exército verde, comeu uns soldadinhos e então resolveu casar.
O corpo de Whitman era a esperança do leproso: queria um amor que cuidasse da pele dele, pra sempre em Cristo, no céu, na terra, na cama e fora dela, nos prazeres da vida, na desgraça da morte, no além, no aquém, em cima, embaixo, dentro de mim, tão dentro quanto possível.
sexta-feira, 20 de março de 2009
Way of Life
Cassiano (batera), Sebage e Agata, e Ricardo (guitarra), +jesuítas+ no Orbital, SP, 2001, foto de Vidal Cavalcante
Modo de vida
Acontece todos os dias
Não há nada a fazer sobre isso
A não ser pegar a estrada novamente
Graças a deus
Graças a deus eu tenho pernas
Dinheiro e o que me resta de saúde
Não é pouco
Queira deus viva ainda um bocado de anos
Décadas, farei de você a mulher mais feliz do mundo
É o erro habitual, não acreditar no amor
Não acreditar na força do amor
Mas quem aguenta? É tão difícil esquecer o passado
Cada uma das piadas de mau gosto
Cada palavra maldita, os gestos indecentes
Impossível não pecar e perdoar
E é difícil amar você
Amar esquecendo de si mesmo
Só não vou deixar você me matar
Bomba-Relógio
Meditation
Foto de Cláudio Pedroso
Esvaziado como o túmulo de gesso em que se enfiara na tentativa de superar os últimos acontecimentos. Livrava-se dos pensamentos (e do sofrimento e das alegrias), absorvendo o pó gelado grudado em sua pele. Aquilo precisava ter um fim, essa equação de pele e sentidos... Deitado ali no mármore frio da cripta, já não pensava, pudesse tornar-se um sacerdote, xamã oculto: mais bruxaria, menos sexo... Toda essa perseguição e caça noturna, vesperais, matinais, ele enfim meditava no vazio, nunca fiz isso, mas será que é bom, será que dá certo?
Cerveja e Morango
A feira de Porto Calvo segundo Albert Eckhout (1610-1666)
De volta ao espaço lúdico de um dos meus sete corpos, à atmosfera musical desse corpo e aos devaneios em si, quer dizer, à Literatura! Nada mais justo depois de todo esse derrame de sangue... Agora os anjos do Senhor derramam sobre o meu rosto filtro de puro amor solar, e o brilho das estrelas. O diabo rodopia e se irrita tanto que até dá pena, minha pele recupera o vigor, cicatrizes desaparecem, o calombo, as coisas ganham outro sabor, como sabor de cerveja e morango.
Meu Naipe
quinta-feira, 19 de março de 2009
Na Hora Certa
Pior do que Los Angeles
O terrorista Willians Valente, quer dizer, o fotógrafo...
É tarde pra pensar nisso, quer dizer, não muito, afinal, você não está morto. Só está absorto com a violência de como as coisas acontecem. Cada dia mais covarde, mais traiçoeiro: as pessoas estão assim, estúpidas, criminosas. A gente ria de tudo isso, mas o meu velho pai já não está entre nós, o mundo virou um caos, nossos filhos, querendo aprender mais, ganhar o mundo, e você chocado e arrasado: essa corrente de brutalidade, Alagoas, oásis do crime: Perfeito, por todos os lados, um canalha pra lhe acuar: Miseráveis, é muito pior do que em Los Angeles.
quarta-feira, 18 de março de 2009
A Via Crucis
Duas cartas do Tarô. O Enforcado, a via crucis, virando-se de ponta-cabeça, posicionado a um outro ângulo – diverso e oposto –, redirecionando a visão habitual, bitolada e acomodada ao velho desgastado e arcaico modus vivendus, necessitado de mudanças, prestes a renovar-se: o sacrifício voluntário do sofrimento de estar pendurado pelos pés, mas, ao mesmo tempo (vire a carta), feliz, como um bailarino de pernas cruzadas fazendo o 4. Da lei ninguém escapa, cresça, a inversão do ponto de vista traz conhecimento: o atrito da pedra ralando a pedra que bota fogo, o homem que faz nascer o fogo. A outra carta. Rei de Paus, perfeição de espírito em movimento, paus dos paus, o rei, o homem, o ser humano criativo, a persona viril e a Natureza: a força e plenitude do trabalho mais do que abençoado, e a magnitude da criação: o empreendimento (majestosamente) honrosamente realizado, o homem condecorado e tornado mestre, um jovem rico e sábio, e humilde, posto que seja livre e nobre e galante e conquistador: uma espiritualidade capaz de realizar todas as coisas, incluindo a representação exemplar da via crucis.
terça-feira, 17 de março de 2009
Passagem
Foto de Willians Valente
Olho prum lado, olho pro outro e encaro você, pode contar dois dias ou cinco mil anos. Essa corrente presa aos pés com que me arrasto vagando pelos trilhos do metrô, a mercê do vento que sopra do túnel e enche os meus pulmões.
Guardas, guardas. Um anel ficou na Lusitânia, quer dizer, passas e figos abocanhados às pressas no canal de la mancha de sangre, o estômago vazio preenchido assim, meu jardim tropical demarcado, a história adelante, cara, eu fiquei só.
Dias de Glória
Foto: Sebage
Os dias dramáticos da luta pela liberdade na terra, na água e no ar, na mente, no sangue dos ancestrais: Calabar, o deus morto, o herói a ferro e fogo lá atrás. Dias mágicos, dias práticos, grandes fantásticos dias de guerra atingindo a carne: o fio da navalha, a correnteza, ó Manguaba, ondas vão e vêm sob os motores, os braços dos meus amores, meu rio, meus super-heróis.
O barco atrás afundando em chamas, a vida clama incerta, um canto fúnebre no alto da colina, o grito de guerra cá embaixo, meu próprio coração um tambor: esqueço o tempo, o espaço onde estou, a vida tem sabor de cerveja, e a recompensa do banho livre, no fim da estrada, a estrada do rei, meu rei, sabe o quê mais, esses dias são gloriosos!
Amon-Rá queimou meus Cabelos
No estúdio do Jorge, Pinheiros, São Paulo, foto de Willians Valente
Amon-Rá que arrasou meu castelo infantil
Elevando a temperatura à passagem do diabo
Queimando minhas calças, oh, yeah
Cercando minha vergonha num ardil
E o pudor e a minha alma
Fui agitar-vos àquela noite (Shake it! Shake him!)
E o sol que me ressecava os cabelos
Não impedi, oh, darling, que partísseis
– Pardon, mon soleil!
À tarde, que havíeis dormido, ao acordares implorei
Não infligi célere pena a vossa memória
Pois foram desvelos somente
Ritual premente de noite transitória
– Segundo tempo, intervalo: comece tudo de novo
(Eu sei que estou ferrado, ma, dio, come ti amo!)
Okay, ninguém morreu...
“Sebage, meu amigo”
“À noite, não faça mais isso comigo”
Então de dia, curumim, podia?
Também não devia
Tá bom, tudo bem
“Eu te amo, neném”
quarta-feira, 4 de março de 2009
Latrinos
Eu e Rômulo, Maceió, 2006, a foto é do Éllyo Rios
Não enfrentou os cães, os gatos e os passos de Arquimedes percorrendo a Via Láctea. Esses monstrinhos todos envoltos em lonas cinzas, lonas rubras, melancólicas, cheias de falso arrependimento. “Nasci do Verde, minha amiga, na fé e no excremento. Mas quanta sutileza no ar, heim?” Não é, compadre? Pústulas fedorentas, nordestinas, não são mais baianas porque não podem: Paraibanas! E não enfrentou os lagartos do mato, avis rara, avis cara, carcará, asa branca, cruz credo!
Legenda
+jesuítas+ no Orbital, rua Augusta, São Paulo, 2002, foto de Vidal Cavalcante
Um
Preservo a memória dos anos que vivemos juntos, “Os Melhores Anos”, um pequeno quadro de Andy Warhol, oh, feliz Natal! (Pop life).
Dois
Nenhuma, e umas... A lenda de Sodoma até o mito de Danton, braços abertos e o peito nu à forca, tão grande, tão branco, tão másculo, dantesco macho sendo o sexo, sendo sexo e o tórax macho, tão sexual e cavalo, pro cadafalso, seu homossexual! Não fosse Dante um visionário, esbarrava na trave, ó Robespierre, tu o sanguinário, Pierre, Pierre (Robespierre degolava o amigo), ah, tirano!
Três
Eu aprendi a viver com os impostores e ladrões, e com os atores, hum...
Quatro
No fim, é fonte literária (e cronológica) mui rica, nossa vida em comum, minha experiência, minha contenda, e não achei coisa alguma, não guardei nenhum segredo: estalos da mente revelados em cadeia, aos quais me requisita a boa memória, é hora de acordar e pôr tudo em ordem: me debruço sobre a mitologia gay.
Medusa na Chuva
Sorrateiro, ele desceu as escadas e deu de cara com ela, a medusa, lhe observando do umbral da porta. Era cedo ainda, a chuva caía forte e havia os relâmpagos. Ia ser uma noite longa, os dois sozinhos, ele e a medusa – ela calada, mas pronta pra o ataque. Ele quis voltar correndo, subindo as escadas, mas o olhar da criatura mitológica paralisou-o, ali, ao pé da escada – ele não conseguia mover um dedo.
Ela então avançou, mas ele gritou, completamente histérico. “Calma”, disse a medusa com as suas 25 bocas de mistério, e foi ao bar, servindo-se de um gim. “É, parece que vai chover a noite toda. Quer jogar baralho?”
“Não, não quero jogar baralho... Por que você não vai embora?”, ele gritou com força. “Ora, meu bem, você me deixaria ir com toda essa chuva?”
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