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segunda-feira, 29 de junho de 2009

Delicadezas





















Pedindo desculpas, tanta abobrinha, ladainha japonesa, ladainha nordestina
Lero-lero, teso
Almofadinha eu não sou, então, diga você, diga você, meu bem
Recuse a abobrinha, peça silêncio: “Dá um tempo, meu filho!”

Eu quero ouvir o Caetano Veloso gozar, “quem”?
É, ele o manhoso, medroso eu não sou
Mentir é pior

Mas você bem que gosta das abobrinhas, só pra dormir comigo
E ainda tenho de cantar você, eu converso
Eu converso muito, não é uma cantada: “Diálogos”

– Psiu, eu quero ouvir o Caetano gozar de novo

Heloísa, a letal banal mulher de Abelardo





















A diferença entre você e ele
É que você não é castrado
Nem eu sou uma monja
O capelão se despediu:
“Adeus, meu bom padre, rogai ao Senhor por mim”
(Num-Sex-Monk-Rock) Eu estava azul de sede
Teso, tonto de paixão
“Adeus, capelão, vou-me casar com Dulcinéia”
Ou com Lucrécia, deus do céu, que abismo!
E eu que pensava em ir pro céu...
Abelardo, Abelardo, Abelardo!
– Se nem casei, como posso estar viúva?
– E se casei, como sou virgem ainda?
(A vida sem dor, sem amor de carne e osso)
Abelardo, Abelardo, deixa eu lhe pôr um pau de plástico
Uma prótese, um membro postiço
Um mundo substituto de gozo e torpor
(Já não quer sentir dor?)
(Nem por amor? Nem pelo frescor da juventude?)
Eu tenho a droga (Aspirina)
Vaselina e a boa medicina
Vem assim, meu amado, drogado, humilhado
Maltratado pelo tempo (E pelo espaço)
Vem no vácuo (E no todo)
Vem fogoso (Ardoroso)
Amoroso, meu potro manhoso
Meu fogo eterno, meu inferno
Meu célebre discreto ardiloso
Homem concreto (de ferro)
Soco direto no estômago (No saco, no âmago)
(Na cama conjugal) Celestial até
Mas não esquece: não sou mais do que a banal
A letal mulher do Tao

Simpatia pelo Demônio


Há de ter uma força danada pra superar os demônios do dia-a-dia, especialmente o cão medonho da luxúria, que vem desse prazer da lua e a noite: imensidão do abismo, tontura de cair, escorregar e sonhar: fazer arte e esquecer, ficar aqui pra sempre.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Corpus Christi


Inexatamente: a cada passo que dou, mas não pelo fio da calçada e sim à margem da rua, prestes a cair no buraco: é dessa forma que vivo – como se não houvesse um leme, um freio, uma direção. Bem, há uma direção que é deus e por ela me conduzo, alegremente. Assim não caio no buraco, pulo, salto, corro e danço no asfalto, e nos caminhos de terra e várzeas, pelos lagos e rios e pelo ar. No fundo do mar, também, em que me lanço como âncora antiga e pesada, cheia de sinuosidade e de uma maldade preciosa, que é crosta, ferrugem e resistência. Graças a deus, graças a deus estou vivo, mesmo caminhando assim, de sobressalto, turvo, girando em torno de mim mesmo como um peão louco e infantil, fazendo graça, cativando as pessoas e mimando elas, e irritando outras, arrancando a pele de uns em carne viva.

Casamento na Roça


“Quem vai rezar a missa? Você é que vai ser o padre?”, “Ah, você é um pervertido!”, e assim foi a nossa conversa, sobre um casamento na família, e os escândalos – o escândalo é sagrado, às vezes, como a ira de Jesus –, mas agora eu estou casado, ou quase, quer dizer, eu estou firme e forte. Pisando na terra, sentindo a sua quentura doce, a parte molhada e a parte arenosa, as águas de cima abaixo, e depois até a merda é normal, aguente o tranco. Os temporais de Junho, o Santo Antônio e a cheia no pequeno Manguaba perto de casa, os namorados em êxtase, a vida tem sabor de cerveja, e a teia se refazendo, outra vez, o ciclo até acabar, mas eu não me mato. Fui tecendo minha própria rede e o casamento, afinal, o amor, isso recupera e torna um homem mais maduro. Seja o que for.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Aos seus Pés


O que sei é que tenho de pedir perdão, perdão à máquina, e perdão, sobretudo, a minha mãe, o perdão dos meus deuses, ó Ísis, me perdoa! Quando dei por mim, o céu, as estrelas desapareceram: o mundo caiu, acabaram-se as ilusões, doce vida de regalo e prazer.

Tudo o que sempre sonhei: você, aqui, comigo, depois de tanto tempo, eu estou imaginando isso, eu nem o encontrei, nem sei onde ela está. Vida de sacrifícios, vida pacata e tirana, a ordem das coisas, isso não para nunca? Veneno cotidiano, você, de novo, aprisionado ao sexo, suas absurdas diretrizes interiores e exteriores, ah, que sei eu, tudo bem, okay, e lá se vão anos. Tempo de experiência e expectativa, você mesmo, quanto não experimentou? Nem falo de saudade, mas de esquecimento, rejúbilo, o tapa do vento no alto da montanha, pertinho do céu, e o mundo aos seus pés.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Fado


Foto, Vinícius Lopes












Atireis sobre mim os vossos petardos
Que o primeiro certeiro atinja de pronto o meu coração
Lanceis vossa espada a minha fronte
Abrindo meu cérebro
Libertando este meu pressentimento
Depois, saqueardes tudo o que tenho

Pegai minhas flores
Meu torso branco, jogai-os no mato aos caçacos!
Tomeis a minha guitarra: estilhaçai-a, tornai-a frangalho
Boiando no rio, frangalho eu despojado
Das minhas posses
Dos meus cabelos negros
Da minha doce fábula canavieira

Ei-me a vossa frente esperando o balaço
Não demoreis, não vejo a hora de livrar-me dos vossos perjúrios
E da vossa insensatez, cruz credo, como vos dei ouvidos
Eu vos peço, imploro-vos
Abrevieis a minha agonia, ide logo
Ao ponto final: Ai!

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Saga de Angelitus


Trindade: Marco Ulgheri (percussão), Sebage (vocal) e Beto Lefévre (guitar), Café >Piu Piu, SP, 2003, foto: Vidal Cavalcante








Angelitus parou de tocar, congelou o olhar num ponto distante e sentiu um aperto no tornozelo, estava fora de si: seu cérebro queimava vivo no canavial por toda noite. “Chega, Angelitus” – o cérebro sacrificado diariamente, é natural que fique louco.
“Jamais vou esquecer o meu assassinato. Mamãe, ainda viva, e eu morto, aqui, oh, meu fígado assado na pedra numa noite tão fria”. Canibais, canibais! Angelitus, não ligue, depois disso, não vai mais precisar de cérebro.

Trocando o pato pela galinha

Casualmente embriagado e morto de cansado, ausente como quem não quer nada, espiral política dando voltas: verde que te quero verde, verde fogueira e sombras verdejantes: atiro a pedra no rio, ela rebate, atiro outra pedra, meus olhos se iluminam à visão da poça de gasolina no posto em frente, o sol bate na poça, depois na minha retina: reflete nos meus dentes. Guardo na proporção do enigma o seu refolgo e o medo de açougue: o pato no asfalto agoniza, não quero mais: uma galinha, eu lhe digo, é o que me satisfaz.

Primavera

Me leva pelas esferas do disco, pelos riscos
Até o inferno
Vem a Primavera
Eu não quero drama
Mas somente a palavra sincera

terça-feira, 2 de junho de 2009

Início, Oposição ao Início, Realização


'Noite Vazia', Walter Hugo Khoury














Maravilhas da Antiguidade, escritas na pedra e no couro, muita coisa relegada, mas que foi resgatada por um impulso forte e pelos esforços diários e noturnos. Não se esqueça de anotar as noites ruins, solitárias – vazias. Como um filme de Khoury, ou senão dias e noites de sexo cerebral. Ou o não-sexo, que é o que acontece sempre... Mas voltando às histórias do passado remoto, ali estão as causas, as predestinações, o caminho trilhado desde o começo. Nós todos temos um início, um meio e um fim. Eu estou no meio, ou no fim do meio, já que o meio também tem um começo. Na verdade, geralmente, é assim:
1 – Início, e tem início do início, oposição ao início (que é o meio) e fim ou realização do início, do parto aos 30 anos;
2 – Oposição (o meio), compreendendo, também, início da oposição, oposição à oposição e realização ou fim da oposição, dos 30 aos 60;
3 – Realização (fim), dos 60 aos 90, em média, mantendo, igualmente, esse princípio de início, meio e fim.